OITAVO AO NONO DIA
Palas del Rey - Ribadiso de Baixo
Palas del Rey - Ribadiso de Baixo
No meio do trajeto entre Palas del Rey e Ribadiso de Baixo me desliguei do grupo e cheguei nesse lugarejo sozinha. As reservas sempre eram feitas previamente, no dia anterior, em nome de alguém do grupo. Ao chegar no albergue o recepcionista me informou que
não havia nenhuma reserva em nome de alguém do nosso grupo. Então pedi que me
indicasse alguma casa rural nas proximidades. Havia uma perto
dali a Casa Rural da Bia e chegando lá a dona da pensão
falou que não havia mais vagas para aquele dia. Retornei ao albergue, quando chegou uma peregrina brasileira de
Curitiba que fez amizade com nosso grupo. Então ela me informou que
havia feito a reserva de todos do grupo em seu nome, a pedido
de alguém. Fiquei tranquila, apesar de já ter feito uma
reserva em um hotel perto dali, mas fora do caminho. Portanto preferi ficar no albergue junto com todos do grupo e desisti da
reserva no hotel. Eu e a amiga de Curitiba nos acomodamos no albergue esperando o restante do grupo, e aproximadamente meia hora depois, os demais companheiros chegaram.
Em Ribadiso não
havia muito o que fazer, é um povoado bem pequeno. Tudo se
concentrava no albergue e fizemos nossas refeições ali mesmo.
O menu peregrino, encontrado em restaurantes ao longo do caminho,
é muito farto e substancial: uma sopa de entrada ou caldo
galego, feito com legumes e verduras; o prato principal com carne
bovina, ou suína, ou frango ou pescado, acompanhado de uma salada
verde, ou batatas ou massa; e uma sobremesa. Também sempre
presentes no menu peregrino os itens tradicionais, pão e vinho.
Depois do almoço
fiquei a maior parte do tempo no quarto, repousando para estar
bem e caminhar no dia seguinte. Assim ocorreu e ainda cedo
partimos com destino a Pedrouzo. O tempo continuava chuvoso, a
Galícia é muito úmida, ali chove quase o ano inteiro.
Em certo trecho deste
percurso passamos em um povoado rural, com poucas casas de
pedras, bem típicas da Galícia, onde
encontramos alguns cães de guarda, bem grandes, que latiram
de forma ameaçadora quando nos avistaram.
Lembrei que devemos erguer o cajado do chão, quando há
cães de guarda por perto, pois eles ouvem o barulho dos
sticks no solo como
uma ameaça, uma vez que têm a audição bem mais apurada que
a humana. Assim fizemos, seguindo com os cajados erguidos na
posição horizontal. Eu enviava mensagem telepática para os
cães: “somos amigos, nos
deixem passar”.
Então os cães pararam de
latir e passamos em frente, caminhando em paz.
Nos trechos íngremes
de subidas, quando ficava muito cansada, outra música que
me vinha sempre à mente era a Marselheise, o hino da França.
Passei minha infância ouvindo minha mãe cantar este hino.
Ela foi professora de francês na escola de ensino ginasial, na
pequena cidade de Palmeirais, onde eu morei até os nove anos
de idade.
Nas aulas de francês
minha mãe ensinava a Marselheise aos seus alunos e cantava
com eles. Nessa época eu tinha aproximadamente sete anos de
idade, a escola ficava bem perto da nossa casa. Eu gostava de ver
minha mãe ensinando francês e, às vezes, ficava apoiada no
parapeito da janela da sala de aula, do lado de fora, quando
ela cantava o hino da França junto com os alunos.
No caminho eu
lembrava dos versos da Marselheise, a parte que fala dos
cidadãos marchando e formando batalhões, para se saciarem do
sangue impuro dos inimigos.
“Aux
armes, citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons, qu'un
sang impur abreuve nos sillons! “
Eu associava esses
versos do hino da França, com as aulas de ciências, onde
aprendi que os leucócitos eram os soldados do organismo na
batalha contra as infecções. Meu maior inimigo no caminho era
a virose que contraí no trajeto de Villafranca. Então eu
cantava a Marselheise e imaginava os soldados do organismo, os
leucócitos, vencendo o inimigo, os vírus que minavam minha
energia para caminhar. Os soldados ficavam saciados do sangue
impuro, contaminado do vírus da gripe. Imaginava o batalhão de
soldados leucócitos marchando e vencendo os vírus inimigos. E
no final da batalha eu conseguiria o sangue
original, puro e sagrado, livre de toda contaminação.
Eu imaginava que
poderia estar com o mesmo vírus da gripe espanhola, que
contagiou boa parte da população da Espanha no século XVIII.
Muita gente morreu nessa época, devido ao surto dessa gripe.
Pensava nos inúmeros peregrinos que haviam morrido na rota de
Compostela, por contraírem alguma doença durante a caminhada.
“Eu
não iria fazer parte dessa estatística fúnebre, pois conseguiria
vencer a virose e chegar a Santiago de
Compostela”, dizia para mim mesma .
Em um determinado
trecho avistei um antigo túmulo coletivo. A lápide era enorme
e nela havia o nome de todos os falecidos. Conjecturei que muitos
deles teriam morrido fazendo o caminho. Imediatamente procurei
descartar o medo e qualquer pensamento negativo, encontrando a
coragem necessária para seguir adiante e conseguir a
vitória no final da jornada. Nesse momento eu repetia para
mim mesma a frase que ouvira antes: “A
dor é transitória, a glória é para sempre“.
A vontade de caminhar era maior que o medo e
novamente eu lembrava de rezar o salmo 23 :
“ O Senhor é meu Pastor, nada me falta; em
verdes paisagens me faz repousar, para fontes de águas
tranquilas me conduz; e restaura minhas forças ; Ele me guia
por bons caminhos, por amor ao seu nome, conforme prometeu ; meu
caminho é de luz e nada temerei, pois junto a mim Ele está ;
seu bastão e seu cajado me dão segurança ”
...
Eu rezava e me
apoiava no stick,
meu bastão de metal,
azul e prata. E continuava a caminhada , subindo as ladeiras
íngremes, cheias de pedregulhos. E ficava extasiada com tanta
beleza; ouvia o gorjeio dos
passarinhos; o barulhos das fontes; o soar da leve brisa nas
folhas das árvores; as flores da primavera de todas as cores
e tipos; os peregrinos do mundo inteiro que passavam por mim
desejando buen camino .
Os leucócitos,
soldados do meu organismo, continuavam
saciando-se do sangue impuro. Então eu cantava o hino da
França e sentia meu organismo reagir à virose. Sim, eu
conseguiria vencer o inimigo! Eu conseguiria ter a força
necessária! E continuava a cantar, agora não mais o hino da
França, mas a música do grupo infantil “Balão Mágico”,
que dizia:
“Eu tenho a força,
sou invencível, juntos amigos, unidos venceremos a semente do
mal “.
Chegamos em Pedrouzo
ainda cedo, por volta das onze horas e ficamos esperando a
abertura do hostal, com outros peregrinos que também chegaram
antes. Já me sentia bem melhor, estava bem disposta, a
caminhada daquele dia não foi muito cansativa.
Oi, Tânia!
ResponderExcluirEstou aqui lendo as postagens e vendo suas fotos. Um caminho que algum dia irei fazer! Já ouvi muitos relatos e a cada experiência a minha vontade aumenta cada vez mais!! Espero em breve realizar esse sonho!!
Beijinhos no coração!!
Oi Luma, tudo bem? É uma experiência indescritível, só vivenciando mesmo... Tomara que vc realize esse sonho em breve!
ExcluirBejokas
Relato maravilhoso, bem traduzindo o quanto especial foi essa viagem, com experiências enriquecedoras e grande prazer de viver.Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigada pela comentário, Ana Lúcia!
ResponderExcluirBjkas