Diário do Caminho Inca ( parte 2 )
Pronta para alçar vôo |
4º, 5ºe 6º dias ( 2 , 3 e 4 de Setembro de 2015 )
No quarto dia da jornada inca acordamos por volta das 5:30 horas e após o café da manhã ficamos aguardando o micro ônibus que nos levaria para o passeio no Vale Sagrado, com destino ao vilarejo de Aguas Calientes, onde está localizada a cidade inca no topo da montanha de Machu Picchu. Nossa jornada foi a mais cômoda, por meio de transporte terrestre (ônibus e trem), com intervalos de caminhadas nos sítios arqueológicos e na subida e descida da montanha de Machu Picchu. Entretanto os turistas mochileiros fazem todo percurso do Vale Sagrado, de Cusco a Águas Calientes até Machu Picchu, caminhando. Este trajeto dura aproximadamente 3 a 4 dias de caminhada, dependendo do ritmo do viajante.
Viajamos pelo Vale Sagrado com o mesmo grupo dos passeios anteriores, formado por pessoas de várias localidades do Brasil: dois casais de São Paulo-SP, pai e filha de Belo Horizonte - MG , outro casal de Campinas - SP , uma moça de Joinville-SC e outra de Santa Maria -RS, além de mim e minha irmã, de Teresina -PI e mais cinco pessoas, cujos lugares de origem não recordo agora.
Companheiros da Jornada Inca |
O Vale Sagrado é uma região muito fértil, banhada pelo rio sagrado dos incas, chamado no passado de Willcamayu (rio sagrado) e hoje de rio Urubamba. A área denominada de Vale Sagrado se prolonga por mais de 100 km, nas proximidades de Cuzco, entre Pisac e Machu Picchu. Está a uma altitude média de 2.800 metros acima do nível do mar e apresenta uma rica flora e fauna, além de temperatura agradável. Nesse vale há inúmeros riachos que nascem das cordilheiras nevadas que o rodeiam, onde existem muitas cachoeiras por entre os bosques nativos mais altos do mundo ( 4.200 metros de altitude), provendo-o de águas em abundância e alimentando o rio sagrado.
No Vale Sagrado |
Nosso passeio pelo Vale Sagrado teve como paragem inicial o monumento arqueológico de Pisac, com trilhas íngremes além de inúmeras subidas e descidas nos degraus das ruínas. O dia estava bem agradável, pouco frio e meio ensolarado. Fomos no final do inverno, estação bem propícia, pois chove muito pouco nesse período e a temperatura fica em torno de 8 a 18 graus. Depois de percorrermos as trilhas de Pisac, paramos no povoado de Ollamtaytambo, num local bem aprazível onde existe criação de animais típicos da região, como o lhama e a alpaca. Estes belos animais estão presentes em todo Vale Sagrado, enfeitando ainda mais a linda paisagem andina.
Alpacas |
Trilha de Pisac |
Antes de chegar ao nosso destino, a cidadela de Águas Calientes, paramos em um lugarejo chamado Chimchero, onde há um mercado de artigos artesanais, bem como algumas lojas de joias feitas com pedras preciosas e semipreciosas. Nesse local aproveitamos para fazer um lanche e tomar chá de coca. Por volta das 13 horas chegamos em Águas Calientes, onde ficamos hospedados numa linda pousada construída no prédio de um antigo convento abandonado. O almoço com música ao vivo e deliciosa culinária peruana, foi bastante animado, pois nessa altura da viagem o grupo já estava mais entrosado e algumas amizades já se delineavam.
À noite fomos conhecer a capela da pousada, na companhia de uma gaúcha companheira de jornada, e lá fizemos nossas orações. Na capela havia uma bonita imagem de Nossa Senhora, que para os incas é a " Pachamama ", a mãe do mundo. Temos essa imagem como o simbolismo do Princípio Feminino, ou seja, o da Criação.
U |
Nossa Senhora de Guadapule |
Pachamama |
Antes de nos recolhermos para o repouso noturno, a fim de amenizar a dorzinha de cabeça causada pela altitude, tomamos bastante chá, o que nos deixou bem energizadas na manhã seguinte. Acordamos por volta das 4:30 h e após o café da manhã seguimos em uma van para a estação do trem panorâmico Vistadone, que nos deixaria na entrada da cidade de Machu Picchu. No trem conhecemos um geólogo espanhol que havia feito no ano anterior o Caminho de Santiago. Ele nos falou um pouco dessa experiência e nos deu algumas dicas, pois tanto eu como minha irmã pretendemos fazer algum dia o Caminho de Compostela. No trem panorâmico |
A viagem no trem panorâmico é muito agradável, pois todo percurso é feito margeando o rio sagrado. O cenário é magnífico, a natureza é muito pródiga naquelas paragens. A viagem durou aproximadamente 1 hora e meia. Quando chegamos na entrada de Machu Picchu já senti a emoção de estar prestes a realizar a subida da "Velha Montanha". O burburinho das pessoas de inúmeras nacionalidades, raças, idades e credos. A energia positiva e contagiante daquele lugar, o sentimento de unidade, tudo isso faz com que a experiência de subir a montanha de Machu Picchu seja especial.
Nosso guia, que se chamava Ronaldo, muito simpático logo nos denominou de "turma do Ronaldinho", numa alusão ao famoso jogador de futebol brasileiro. No início da caminhada na trilha de entrada à cidade de Machu Picchu a emoção é indescritível. O sentimento de que a HUMANIDADE é UMA UNIDADE (somos todos UM) é predominante. Sentimentos afloram... Lembranças dos entes queridos, vontade de abraçar todos que ali estão, reflexão sobre alguns pontos obscuros da nossa alma e o sentimento de SOLIDARIEDADE inundando nosso Ser.
No final do percurso nosso guia reuniu o grupo e fizemos um pequeno ritual, com a imposição das mãos abertas e erguidas em direção da montanha sagrada, onde mentalizamos pela PAZ UNIVERSAL .
No final do percurso nosso guia reuniu o grupo e fizemos um pequeno ritual, com a imposição das mãos abertas e erguidas em direção da montanha sagrada, onde mentalizamos pela PAZ UNIVERSAL .
Início da subida à montanha |
Em meditação |
Num certo momento, quase no final da caminhada, vi um pequeno pássaro, talvez um pardal, fazendo rodopios em volta de outro e achei que era um casal de passarinhos num namoro ou cortejo em pleno ar. Procurei chamar a atenção dos demais companheiros de caminhada, mas todos estavam entretidos ouvindo as explicações do guia sobre a história do povo inca. Minha irmã foi a única que ouviu o meu chamado e também presenciou quando os dois passarinhos, um após o outro, entraram em um buraco entre as pedras. Fiquei imaginando o que eles fariam dentro do buraco da pedra. Será que iriam construir um ninho?
Desde que chegamos em Cusco e durante todo percurso do Caminho Inca, os versos da música "Volver a Los 17", da Violeta Parra, interpretada por Mercedes Sosa, afloravam com frequência na minha mente, de forma que vez ou outra eu cantarolava baixinho, para mim mesma :
"El amor es torbelliño de pureza original
( O amor é um torvelinho de pureza original)
( O amor é um torvelinho de pureza original)
Hasta el feroz animal sussurra su dulce trino
( Até o feroz animal sussurra seu doce trino )
( Até o feroz animal sussurra seu doce trino )
Detiene a los peregrinos, libera a los prisioneiros
( Detém os peregrinos, libera os prisioneiros)
( Detém os peregrinos, libera os prisioneiros)
Só el amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
( Só o amor com seus esmeros , o velho torna um menino )
( Só o amor com seus esmeros , o velho torna um menino )
Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero
( E ao mal só devolve carinho puro e sincero )
( E ao mal só devolve carinho puro e sincero )
Se va enredando, enredando
(Vai se envolvendo, envolvendo)
(Vai se envolvendo, envolvendo)
Como en el muro la hiedra
( como a hera no muro )
( como a hera no muro )
Y va brotando, brotando
( E vai brotando, brotando )
( E vai brotando, brotando )
Como el musguito en la piedra
( Como o pequeno musgo na pedra )
( Como o pequeno musgo na pedra )
Como el musguito en la piedra, ay si, si, si"
( Como o pequeno musgo na pedra, ai , sim, sim , sim )
Durante a caminhada observei que em alguns lugares havia uma leve camada de musgo verde nas pedras dos monumentos da cidade inca, como uma relva, e minha irmã dizia que meus olhos tinham a cor daquelas montanhas. Ela também, vez ou outra, cantarolava uma musiquinha que compôs durante a jornada, cujos versos iniciais diziam: " Vamos subir la sierra, vamos subir la sierra/ Vamos subir la montaña ... "
A descida da montanha foi menos cansativa e retornamos para a estação do mesmo trem panorâmico, onde seguimos até a cidade de Cuzco, numa viagem muito agradável com trajeto sempre margeando o rio Sagrado. Chegamos em Cuzco por volta das 20 horas e só tivemos tempo para pegar nossa bagagem maior que ficou no depósito do hotel, tomar banho e terminar de arrumar nossas malas, pois viajamos para Águas Calientes e depois para Machu Picchu apenas com a mochila e uma pequena bolsa com o essencial para o pernoite na pousada no dia anterior da subida à montanha, quando deixamos a bolsa em um maleiro da estação do trem Vistadone, levando conosco apenas a mochila na caminhada nas trilhas da cidade inca.
Depois de recebermos nossas malas e nos acomodarmos novamente no mesmo hotel, e após com a bagagem já pronta, nos recolhemos para o repouso noturno pois estávamos bastante fatigadas em razão da caminhada nas trilhas da cidade inca, ao mesmo tempo com a boa sensação da energia positiva acumulada na visita ao lugar sagrado dos incas.
Na madrugada do dia seguinte pegamos o vôo de retorno a Teresina, partindo de Cuzco com conexões em Lima e Guarulhos. No aeroporto de Cuzco, ao adentrar a aeronave avistei o comandante do vôo que se encontrava na entrada do avião após o percurso na garganta de acesso e cujo sotaque demonstrava ser peruano. Ele nos cumprimentou desejando " buenos dias" e perguntou: Brasil? Eu respondi ao cumprimento e confirmei: "Sim, Brasil". Quando já estávamos sentadas dentro do avião houve uma pausa da musiquinha peruana e ouvimos a versão em inglês da música brasileira de autoria do Tom Jobim, " Garota de Ipanema", interpretada por Diana Krall (The Girl from Ipanema ).
A viagem de retorno foi bem tranquila, apesar do chá de aeroporto em Guarulhos, onde permanecemos por mais de 8 horas aguardando o vôo para Teresina. Aqui chegando, continuei a sentir por mais alguns dias a energia positiva e especial do caminho inca. Somente decorrido o período de duas semanas voltei à realidade, agora com novo projeto para retornar ao Peru e quem sabe também percorrer as trilhas da montanha mais alta, Waynna Picchu, a "Jovem Montanha ", bem como conhecer a região do Lago Titicaca, o que não foi possível nessa viagem.
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Up grade nesta data ( 29/novembro/2015 )
Querida Tânia, tenho visitado seu blog frequentemente e estou adorando as publicações. Acho que temos em comum o amor pela natureza e o desejo de viver/conhecer esses lugares mágicos. Estive em Machu Pichu em 2012 e a energia e emoção de estar na montanha é indescritível. Cheguei lá ao amanhecer e sem que consiga explicar me emocionei muito. Um dia que marca nossas vidas para sempre.
ResponderExcluirOlá Sara, obrigada pelas palavras generosas que incentivam.
ResponderExcluirPois é, temos isso em comum, que bom! Agora vamos experienciar o Caminho de Santiago, que dever ser tão mágico quanto o de Machu Picchu . Eu tb fiquei muito emocionada ao subir a montanha sagrada dos incas e lá tive alguns belos " insights ".
Abç .
Buen camino!