QUARTO
DIA
Cebreiro - Triacastela
Cebreiro - Triacastela
A descida do Cebreiro foi um pouco mais difícil
que a subida. Primeiro, porque o percurso era bem mais longo, caminhamos em
torno de 27 km. Segundo, porque eu estava bastante gripada e
saímos bem cedo, em jejum, com frio e névoa.
Coloquei minha jaqueta impermeável
com capuz e a bandana cobrindo o nariz, para proteger a
face da friagem. Uma das peregrinas do nosso grupo
havia guardado na mochila a sobremesa do jantar da noite anterior,
torta de Santiago, e me deu uma fatia. Eu havia guardado algumas
barrinhas de chocolate e também compartilhei com ela meu“pão“. Assim
conseguimos ter a energia necessária para
caminhar até o próximo pueblo,
uns três quilômetros adiante, onde pudemos fazer
uma primeira refeição mais substancial. Devidamente alimentada e com a
energia para caminhar recuperada, segui adiante caminhando e cantando pelas
trilhas da região do Cebreiro, ora íngremes, ora cheias de esterco de animais,
mas sempre verdejantes e floridas. Caminhar pelos campos galegos é uma delícia!
Marco da divisa da Galícia |
Dizem que a Galícia é o Graal dos peregrinos, o ponto mais emblemático da caminhada. No brasão dessa província chamam a atenção as sete cruzes ao redor do Cálice Sagrado ou Santo Graal. O trecho galego do Caminho Francês começa na aldeia do Cebreiro, uma região que remonta ao período pré-histórico, entre as serras do Courel e Ancares. É um dos lugares mais singulares do Caminho e está situado a uma altitude de 1300 m. No período invernoso, a neve faz o caminho desaparecer e um manto branco confunde o povoado com as colinas que o rodeiam. As pallozas do Cebreiro são casinhas circulares, cobertas de palha, que dão ao local uma atmosfera mítica de contos de fadas.
Na Pallozza |
Além das pallozas, se destaca no Cebreiro o templo de Santa María de La Real, de característica pré-românica. Como já dito no capítulo anterior, na Capela do Santo Milagre, nessa igreja, é onde se encontra um símile do Cálice do Santo Graal.
Outros pontos fortes
do Cebreiro são a culinária e o excelente vinho produzido na
Galícia, muito apreciado pelos peregrinos. Nos bares existentes
no povoado, servem vinho acompanhado da empanada galega, que é
uma espécie de pão recheado com pimentões, tomates e atum (
ou carne, ou bacalhau ). A torta de Santiago também é muito
apreciada pelos peregrinos, feita com amêndoas, trigo e canela.
Há um adágio peregrino que diz :
"Com pão e vinho, se faz o Caminho ".
Igreja Santa Maria de La Real |
No Cebreiro fiz tudo que havia imaginado: conheci a Igreja do Santa Maria de La Real onde está o Cálice do Santo Milagre; as lindas pallozas que remontam às palhoças indígenas; saboreei a torta de Santiago, a empanada galega e o excelente vinho produzido na Galícia. Pena que não pude saborear um prato típico e muito apreciado pelos peregrinos, “pulpo a la galega”, preparado com polvo e batatas. Eu estava muito gripada e nessas condições não é recomendável comer molusco, que é considerado um alimento muito reimoso. Por isso resisti à tentação de saborear o “pulpo” galego.
Nesse dia, em certo
trecho da caminhada, passei a andar somente na companhia de uma das taiwanesas que se agregou ao nosso grupo e imaginei que os demais companheiros estivessem todos adiante de nós duas, com exceção de uma, que pensei estar caminhando sozinha
atrás de todos, pois na ocasião observei que ela ficou para trás tirando selfs e fotos da paisagem. Quando em certo momento perdi-a de vista
fiquei preocupada e parei para esperar. Decorrido algum tempo de
espera e como ela não aparecia, fiquei um pouco aflita, pois
imaginei que ela teria ficado desatenta das setas de
sinalização do caminho e seguido por outra via. Estávamos em uma trilha, no meio de um bosque, numa região desabitada. Passei então
a chamá-la em voz alta, na esperança que o som chegasse até
ela e retornasse ao caminho certo. Pouco tempo depois ela
apontou ao longe acompanhada de dois companheiros do
grupo, que haviam ficado também para trás. Suspirei aliviada
ao verificar que foi apenas uma “viagem na maionese”,
pois a amiga não estava perdida, tampouco caminhava sozinha.
Mesmo percorrendo o
caminho em grupo, às
vezes caminhamos sozinhos, conforme a necessidade de silêncio
para refletir. Isso acontece ao longo da jornada, pois ora
seguimos juntos com outros peregrinos
conversando com eles, ora seguimos somente
com nossos pensamentos. São
momentos distintos e necessários. No entanto, durante a
caminhada, mesmo quando me distanciava do
grupo e seguia sozinha, ficava atenta para não permanecer
muito tempo sem visualizar algum companheiro, pois há casos
de peregrinos que se perdem dos seus grupos e isso causa uma
certa intranquilidade, principalmente para aqueles que não se
sentem seguros caminhando só.
Andamos
em torno de 27 km e por fim chegamos na cidade de
Triacastela. Aproveitei para comprar algumas frutas para o dia
seguinte, pois iríamos sair novamente bem cedo. Eu continuava
bastante gripada e só saí do albergue para almoçar, fazer
um breve passeio pelo centro da cidade para as compras no
mercadinho e na farmácia. À noite, após o jantar, me recolhi
cedo para recuperar as energias. E no dia seguinte, bem cedo, partimos com destino a Sarria .
***
T}ania, aqui estou no seu espaço virtual, que, de resto, não é assim tão virtual, porquanto o seu texto de tão vivo, claro e belamente escrito me transporta vivamente aos lugares pelos quais caminhaste nessa peregrinação pelas região da Galício, A história da literatura galega afirma que, na Galícia, o que nós brasileiros e portugueses chamamos "saudade" - um a palavra encantadora que, não tem rigorosamente um equivalente em outro idioma. Pois é, Tânia, é nessa região em cujo solo pisaste que se diz ser o berço da saudade, ou também chamada em galego, añoranza - que palavra linda!; Fiquei adorando o teu mode de descrever e de narrar, assim como a fluência com que tu escreves em excelente estilo. Parabéns, Tânia. Valeu ter aqui visitado o teu Blog. Espero retornar a ele sempre que me for possível e o será. abraços do Francisco da Cunha.
ResponderExcluirCunha e Silva Filho,
ExcluirFico muito grata e feliz pela gentileza do seu comentário .
Então a Galícia é a terra da saudade. Está explicado porque sinto saudades de lá ... rss
Fraterno abraço
Correção: Tânia e n~kao T[nia.
ResponderExcluirAbraços.