19 de abril de 2020

Diário da Minha Jornada no Caminho de Compostela

QUARTO DIA
Cebreiro - Triacastela

Na subida do Cebreiro

A descida do Cebreiro foi um pouco mais difícil que a subida. Primeiro, porque o percurso era bem mais longo, caminhamos em torno de 27 km. Segundo,   porque eu estava bastante gripada e saímos  bem cedo, em jejum, com frio e   névoa.   Coloquei    minha       jaqueta impermeável com capuz e a bandana    cobrindo o nariz,  para proteger a face da   friagem. Uma das peregrinas do nosso   grupo havia guardado na mochila a  sobremesa do jantar da  noite anterior, torta de Santiago, e me deu uma fatia. Eu havia guardado algumas barrinhas  de chocolate e também compartilhei com ela meu“pão“. Assim conseguimos ter a energia  necessária  para   caminhar   até  o  próximo pueblo, uns  três quilômetros   adiante,   onde pudemos fazer uma primeira refeição mais substancial. Devidamente alimentada e com a energia para caminhar recuperada, segui adiante caminhando e cantando pelas trilhas da região do Cebreiro, ora íngremes, ora cheias de esterco de animais, mas sempre verdejantes e floridas. Caminhar pelos campos galegos é uma delícia!


Marco da divisa da Galícia 
A Galícia é uma região especial  da Espanha, por muitos considerada como a parte mais bonita e poética do Caminho de Compostela. O nome Galícia tem a mesma raiz celta de Galia (antiga França) e País de Gales (Grã-Bretanha). A região foi ocupada e colonizada pelos celtas no século 6 a.C. Sua capital é a cidade de Santiago de Compostela. É um território autônomo da Espanha, situando-se ao noroeste da Península Ibérica, fazendo divisa com Portugal e banhado pelo Oceano Atlântico, sendo conhecida pelo seu litoral bem recortado, rochoso, com uma grande quantidade de frutos do mar, considerados os melhores da Espanha e muito apreciados em toda a Europa. Os nativos fazem questão de dizer que são “galegos”. Na Galícia falam um espanhol bem semelhante ao português de Portugal. Eles dizem que falam o idioma “galego” e não espanhol ( saiba mais  sobre a Galícia  AQUI ).


Dizem que a Galícia é o Graal dos peregrinos, o ponto mais emblemático da caminhada. No brasão dessa província chamam a atenção as sete cruzes ao redor do Cálice Sagrado ou Santo Graal. 
O trecho galego do Caminho Francês começa na aldeia do Cebreiro, uma região que remonta ao período pré-histórico, entre as serras do Courel e Ancares. É um dos lugares mais singulares do Caminho e está situado a uma altitude de 1300 m. No período invernoso, a neve faz o caminho desaparecer e um manto branco confunde o povoado com as colinas que o rodeiam. As pallozas do Cebreiro são casinhas circulares, cobertas de palha, que dão ao local uma atmosfera mítica de contos de fadas.
Na  Pallozza 

Além das pallozas, se destaca no Cebreiro o templo de Santa María de La Real, de característica pré-românica. Como já dito no capítulo anterior, na Capela do Santo Milagre, nessa igreja, é onde se encontra um símile   do Cálice do Santo Graal.
Outros pontos fortes do Cebreiro são a culinária e o excelente vinho produzido na Galícia, muito apreciado pelos peregrinos. Nos bares existentes no povoado, servem vinho acompanhado da empanada galega, que é uma espécie de pão recheado com pimentões, tomates e atum ( ou carne, ou bacalhau ). A torta de Santiago também é muito apreciada pelos peregrinos, feita com amêndoas, trigo e canela. Há um adágio peregrino que diz : "Com pão e vinho, se faz o Caminho ".
Igreja Santa Maria de La Real 

No Cebreiro fiz tudo que havia imaginado: conheci a Igreja do Santa Maria de La Real onde está o Cálice do Santo
Milagre; as lindas pallozas que remontam às palhoças indígenas; saboreei a torta de Santiago, a empanada galega e o excelente vinho produzido na Galícia. Pena que não pude saborear um prato típico e muito apreciado pelos peregrinos, “pulpo a la galega”, preparado com polvo e batatas. Eu estava muito gripada e nessas condições não é recomendável comer molusco, que é considerado um alimento muito reimoso. Por isso resisti à tentação de saborear o “pulpo” galego.
Nesse dia, em certo trecho da caminhada, passei a andar somente na companhia de uma das  taiwanesas que se  agregou ao  nosso  grupo  e imaginei que os demais  companheiros estivessem  todos adiante de nós duas,  com exceção de uma, que  pensei  estar caminhando sozinha atrás de todos, pois na ocasião observei que ela  ficou para  trás tirando selfs e fotos da paisagem. Quando em certo momento perdi-a de vista fiquei preocupada e parei para esperar. Decorrido algum tempo de espera e como ela não aparecia, fiquei um pouco aflita, pois imaginei que ela  teria ficado desatenta das setas de sinalização do caminho e seguido por outra via. Estávamos em uma trilha, no meio de  um bosque, numa  região desabitada. Passei então a chamá-la em voz alta, na esperança que o som chegasse até ela e retornasse ao caminho certo. Pouco tempo depois ela apontou ao longe acompanhada de dois companheiros do grupo, que haviam ficado também para trás. Suspirei aliviada ao verificar que foi apenas uma “viagem na maionese”, pois a amiga não estava perdida, tampouco caminhava sozinha.
Mesmo percorrendo o caminho em grupo, às vezes caminhamos sozinhos, conforme a necessidade de silêncio para refletir. Isso acontece ao longo da jornada, pois ora seguimos juntos com outros peregrinos conversando com eles, ora seguimos somente com nossos pensamentos. São momentos distintos e necessários. No entanto, durante a caminhada, mesmo quando me distanciava do grupo e seguia sozinha, ficava atenta para não permanecer muito tempo sem visualizar algum companheiro, pois há casos de peregrinos que se perdem dos seus grupos e isso causa uma certa intranquilidade, principalmente para aqueles que não se sentem seguros caminhando só.
Andamos em torno de 27 km e por fim chegamos na cidade de Triacastela. Aproveitei para comprar algumas frutas para o dia seguinte, pois iríamos sair novamente bem cedo. Eu continuava bastante gripada e só saí do albergue para almoçar, fazer um breve passeio pelo centro da cidade para as compras no mercadinho e na farmácia. À noite, após o jantar, me recolhi cedo para recuperar as energias. E no dia seguinte, bem cedo, partimos com destino a Sarria .

                                                                        ***



3 comentários:

  1. T}ania, aqui estou no seu espaço virtual, que, de resto, não é assim tão virtual, porquanto o seu texto de tão vivo, claro e belamente escrito me transporta vivamente aos lugares pelos quais caminhaste nessa peregrinação pelas região da Galício, A história da literatura galega afirma que, na Galícia, o que nós brasileiros e portugueses chamamos "saudade" - um a palavra encantadora que, não tem rigorosamente um equivalente em outro idioma. Pois é, Tânia, é nessa região em cujo solo pisaste que se diz ser o berço da saudade, ou também chamada em galego, añoranza - que palavra linda!; Fiquei adorando o teu mode de descrever e de narrar, assim como a fluência com que tu escreves em excelente estilo. Parabéns, Tânia. Valeu ter aqui visitado o teu Blog. Espero retornar a ele sempre que me for possível e o será. abraços do Francisco da Cunha.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cunha e Silva Filho,
      Fico muito grata e feliz pela gentileza do seu comentário .
      Então a Galícia é a terra da saudade. Está explicado porque sinto saudades de lá ... rss
      Fraterno abraço

      Excluir
  2. Correção: Tânia e n~kao T[nia.
    Abraços.

    ResponderExcluir

Obrigada pela visita! Deixe um comentário que responderei com muito prazer .