19 de abril de 2020

No Caminho de Compostela - 3º Dia


Terceiro dia 
Vega de Valcarce - Cebreiro



O terceiro dia de caminhada foi na subida do Cebreiro. Este trecho é considerado o segundo de maior dificuldade no Caminho Francês, sendo mais difícil do que ele apenas a subida dos Pirineus. Iniciei a caminhada bem cedo, por volta das 6:30 horas, com todos do grupo. Estava bem disposta, havia descansado bastante no albergue em Vega de Valcarce.
Não senti muita dificuldade, achei uma delícia a subida do Cebreiro, apesar de muitos trechos com ladeiras íngremes. Lembro que neste trajeto o caminho é exuberante: vales cheios de flores, muito verde, ribeirinhos e pequenas cachoeiras, os animais nos pastos dos campos da Galícia, as casinhas rústicas e floridas dos campesinos .
Quando chegamos no marco que indicava a fronteira entre os territórios de Castela y Leon e a Galícia paramos para tirar fotos, pois a chegada no território galego era um dos mais esperados momentos.
Eu continuava cantando e caminhando, caminhando e cantando, pois tudo era muito prazeroso. Nesse trajeto cantei “Somewhere over the rainbow “. A paisagem magnífica me inspirou e os versos que falam de algum lugar além do arco-íris, onde nossos sonhos podem se realizar, soaram bem naquele momento .

A expectativa de chegar no povoado Pedrafita era muito grande, pois este é um dos lugares mágicos do caminho. Dizem que na Igreja de Nossa Senhora está um símile do cálice sagrado, utilizado por Jesus para tomar o vinho na última ceia, junto com os 12 apóstolos, antes de ser crucificado. O símile do Cálice Sagrada teria chegado até o Cebreiro através da Ordem dos Templários. Portanto, o Cebreiro simboliza o Santo Graal dos Peregrinos, um lugar emblemático.



Cheguei junto com todos do grupo no povoado de Pedrafita. No momento da chegada uma turma de estudantes pré-adolescentes, todos uniformizados, percebendo que nosso grupo era de brasileiros começaram a gritar o nome de um famoso jogador de futebol do Brasil. Eu não sou muito chegada a idolatria de astros do futebol, entretanto achei muito legal a atitude amistosa dos adolescentes. As pessoas do nosso grupo que gostam de futebol, também ficaram entusiasmadas com a recepção calorosa dos estudantes.

Quando chegamos no povoado Pedrafita, nos acomodamos em um hotel bem típico, com paredes de pedras. Uma parte do  nosso  grupo preferiu  ficar no albergue municipal, somente  eu  e outros  três  amigos  ficamos  hospedados   em um hotel. Meu quarto no segundo andar, parecia de uma casinha de contos de fadas. Da janelinha perto da cama eu avistava as ruas do povoado, com o movimento dos peregrinos e turistas. O dono do hotel era muito parecido com meu irmão mais velho, já falecido. Pensei em tirar uma foto dele, para mostrar a minha família, mas tive um acesso de timidez e fiquei sem jeito de pedir isso a ele.

O dia estava frio, com bastante névoa. Logo na chegada fiz um breve passeio apreciando a beleza rústica das pallozas e das construções de pedras. Fui na igreja  para ver o cálice do Santo Milagre. O Cebreiro é pura magia, há uma energia diferente por lá, parece que estamos em outro mundo, num tempo distante .



Na manhã do dia seguinte deixamos a aldeia de Pedrafita. Meu coração ficou apertado no momento da saída, queria muito ficar mais um dia ali, pelo menos mais algumas horas. Ainda relutei com os companheiros do meu grupo, para sairmos mais tarde e aproveitar o café da manhã em um dos restaurantes típicos. Mas não acataram minha sugestão e saímos bem cedo, com muita névoa. Eu estava gripada e sair naquelas condições, com o corpo febril, o frio da manhã e sem fazer o desayno - pois naquele horário não havia nenhum restaurante ou cafeteria abertos - foi muito pesado para mim. Mas sabia que andando em grupo teria de acatar a decisão da maioria, portanto não pude reclamar. Também não quis caminhar sozinha meio indisposta e descartei a opção de sair depois de todos. Apenas cobri minha face com a bandana, para me proteger da friagem no rosto e segui junto com os companheiros de jornada, na descida da montanha do Cebreiro. Como diz o ditado popular “na descida todo santo ajuda”.

Quando já estávamos próximos do local de pernoite, a cidade de Triacastela, no limite do Cebreiro com esse povoado, ao avistar o vale florido da linda paisagem galega, me despedi do Cebreiro bradando em voz alta na direção dos campos de flores : “ I love Galicia ! I love Cebreiro ! “ . O eco das montanhas do Cebreiro repetia : ” Love Galícia , love Cebreiro “. Era o meu grito de vitória, eu sentia que estava a caminho do Graal.



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